sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Telegrama






Meu Deus e o Deus dos outros

(Trecho do Capítulo 7 - O Deus dos Místicos da “A História de Deus”, de Karen Armstrong – Cia das Letras)



O judaísmo, o cristianismo e – em menor escala – o islamismo desenvolveram a ideia de um Deus pessoal, e por isso tendemos a pensar que esse ideal representa a religião em sua melhor forma. O Deus pessoal ajudou os monoteístas a valorizar os sagrados e inalienáveis direitos do indivíduo e a cultivar uma apreciação da personalidade humana. A tradição judaico-cristã, portanto, ajudou o Ocidente a adquirir o humanismo liberal que tanto preza. Esses valores eram originalmente venerados num Deus pessoal que faz tudo que fazemos: ama, julga, castiga , vê, ouve, cria e destrói como nós. Javé começou como uma dividade altamente personalidade, com ardentes simpatias e antipatias humanas. Mais tarde, tornou-se um símbolo de transcendência, cujos pensamentos não são os nossos e cujos desígnios pairam tão acima dos nossos quanto o céu acima da terra. O Deus pessoal reflete uma importante intuição religiosa: que nenhum valor supremo pode deixar de ser humano. Assim, o personalismo é uma etapa importante e – para muitos – indispensável do desenvolvimento religioso e moral. Os profetas de Israel atribuíram suas próprias emoções e paixões a Deus; budistas e hinduístas incluiram uma devoção pessoal a “avatares” da realidade suprema. O cristianismo fez de uma pessoa humana o centro da vida religiosa, procedento de uma forma única na história da religião: levou ao extremo o personalismo inerente no judaísmo. Talvez a religião não consiga deitar raízes sem um certo grau desse tipo de identificação e empatia.

Contudo, um Deus pessoal pode tornar-se um sério inconveniente. Há quem veja um mero ídolo esculpido à nossa imagem, uma projeção de nossas limitadas necessidades, temores e desejos. Supor que ele ama o que amamos e odeia o que odiamos, endossando nossos preconceitos, em vez de nos obrigar a superá-los. Quando ele não “impede” uma catástrofe ou “deseja” uma tragédia, dá impressão de ser insensível e cruel. Acreditar em um desastre por vontade de Deus pode nos fazer aceitar coisas fundamentalmente inaceitáveis. O fato de, como pessoa, Deus ser do sexo masculino também é limitativo: significa que a sexualidade de metade do gênero humano é sacralizada à custa do feminino e acarretar um desequilíbrio neurótico nos costumes sexuais humanos. Um Deus pessoal pode ser perigoso, portanto. Ao invés de nos arrancar de nossas limitações, acaba nos encorajando a aceitá-las, tornando-nos tão cruéis, insensíveis e presunçosos como “Ele” parece ser. (...) Tudo indica, portanto, que a ideia de um Deus pessoal só pode ser uma etapa de nosso desenvolvimento religioso. Aparentemente, todas a s religiões reconhecem este perigo e procuram transcender a concepação da realidade suprema como pessoa.

É possível ler as Escrituras judaicas como a história do refinamento e ,depois , do abandono do Javé tribal e personalizado que se tornou Yhwh. O cristianismo, talvez a mais “personalizante” das três religiões monoteístas, tentou atenuar o culto do Deus encarnado, introduzindo a doutrina da Trindade transpessoal. Os muçulmanos logo tiveram problemas com os trechos do Corão nos quais Deus “vê”, “ouve”, “julga” como os seres humanos. Todas as três religiões monoteístas desenvolveram uma tradição mística que fez seu Deus transcender a categoria pessoal e tornar-se mais semelhante às realidades impessoais de nirvana e Brahman-Atman. Poucos indivíduos são capazes do verdadeiro misticismo, mas nas três crenças (com exceção do cristianismo ocidental) foi o Deus místico que se tornou normativo entre os fiéis até relativamente pouco tempo."






(imagem - se não me engano - Lomografia via Flickr)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Achados



Estou em tempos atribulados, então serei breve e raro daqui por diante:





a)Mapa da "Não-Monogamia". Achei AQUI.




b)Mapa da Sexualidade Humana. Veio DAQUI.




c)Mergulho em um fractal de Mandelbrot, que faleceu em outubro passado.

Há uma boa matéria sobre ele na Piauí de novembro. O artigo está disponível AQUI.

Fonte do vídeo: Problemas/Teoremas

d)A Humument

pág 27:




Achei graças ao Braulio Tavares, neste ARTIGO do Mundo Fantasmo. TRECHO:

"Por volta de 1966, o artista plástico inglês Tom Philips, então com 29 anos, embarcou num projeto que começou como passatempo e acabou se transformando numa empreitada que já dura quase quatro décadas. Philips tinha curiosidade pelas técnicas do que hoje se chama “desconstrução”, aqueles trabalhos onde um artista pega uma obra já existente e interfere nela de tal forma que extrai dali uma obra de natureza totalmente diversa, e original. Diz ele que o ponto de partida para sua idéia foi o conceito, (popularizado na época pelo escritor William Burroughs) da técnica do “cut-up”. Burroughs pegava uma página de livro ou de jornal, cortava-a em retângulos de igual tamanho, trocava a posição deles, colava-os; e aí copiava o texto resultante, interferindo nele ou não.

A idéia de Philips foi pegar um romance da época vitoriana e usar suas páginas para criar obras que misturassem literatura e pintura. Literalmente, ele se propôs a pintar por cima do texto, ocultando a maior parte dele, e deixando aparecer somente palavras isoladas que iriam formar novas frases não previstas pelo autor. Meio ao acaso, ele comprou num sebo um exemplar do romance A Human Document (“Um Documento Humano”) de um tal W. H. Mallock, publicado em 1892, e pôs-se a trabalhar."

Amostras do trabalho podem ser vistas AQUI.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

amigo visita





...Quem?

Aqui?

Não, acho que o senhor se enganou de endereço. Este número não existe.

Derrubaram uma casa logo ali adiante, foi para colocar o alicerce daquele viaduto. Mas faz anos, eu era menina.

Pra onde ele foi? Acho que voltou pro Nordeste. Ou ganhou na Mega-Sena ou foi preso.

Sei lá, tem diferença?

Não tenho endereço não. Agora, o senhor me dá licença que tô ocupada."

Fecha a porta. Lá em cima do viaduto passa sirene.


O homem coça a cabeça. Lê o endereço. Confirma os números. Olha pra lá, olha pra cá... e nada parece com as lembranças que tinha do lugar. O viaduto sustentado por alicerces delgados como girafas. Onde antes havia árvores estão postes de iluminação. Uma quadra de casas geminadas deu origem a uma fábrica abandonada. Os jardins viraram recantos de entulhos e cacos de azulejo. O campo de bater bola agora virou catedral dos crentes. Ele sabe que são lembranças reais e não de um sonho: o que diferencia uma da outra é uma certeza fina, tênue, resistente como uma teia de aranha. E é só por conta desta certeza que ele caminha até o alicerce do viaduto. Uma parede milagrosamente limpa de grafiteiros e pichadores. Até agora.

Escreve sua mensagem ao amigo. É breve. Descreve como está a vida, como andam os filhos, os dias tediosos do trampo, o último filme a que assistiu. Pensou em deixar email, número de celular. Mas não sabe se haveria conversa para tanto. Depois vai embora sabendo que logo o temporal de verão vai apagar o giz.




(Foto minha de um Grafite na Liberdade. Quem é? Não sei)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Telegrama






(Este longo texto de Raduan Nassar foi dividido em duas postagens)



9







Que rostos mais coalhados, nossos rostos adolescentes em volta daquela mesa: o pai à cabeceira, o relógio de parede às suas costas, cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, e nada naqueles tempos nos distraindo tanto como os sinos graves marcando as horas: "O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nessa mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; por isso ninguém em nossa casa a de dar o passo mais largo que a perna: dar o passo mais largo qu a perna é o mesmo que suprimir o tempo necessário à nossa iniciativa; e ninguém em nossa casa a de colocar o carro a frente dos bois: colocar o carro a frente dos bois é o mesmo que retirar a quantidade de tempo que um empreendimento exige; e ninguém ainda em nossa casa há de começar nunca as coisas pelo teto: começar as coisas pelo teto é o mesmo que eliminar o tempo que se levaria para erguer os alicerces e as paredes de uma casa; aquele que exorbita no uso do tempo, precipitando-se de modo afoito, cheio de pressa e ansiedade, não será jamais recompensado, pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas, não bebendo do vinho quem esvazia num só gole a taça cheia; mas fica a salvo do malogro e livre da decepção quem alcançar aquele equilíbrio, é no manejo mágico de uma balança que está guardada toda a matemática dos sábios, num dos pratos a massa tosca, modelável, no outro, a quantidade de tempo a exigir de cada um o requinte do cálculo, o olhar pronto, a intervenção ágil ao mais sutil desnível; são sábias as mãos rudes do peixeiro pesando sua pesca de cheiro forte: firmes, controladas, arrancam de dois pratos pendentes, através do cálculo conciso, o repouso absoluto, a imobilidade e sua perfeição; só chega a este raro resultado aquele que não deixa que um tremor maligno tome conta de suas mãos, e nem que esse tremor suba corrompendo a santa força dos braços, e nem circule e se estenda pelas áreas limpas do corpo, e nem intumesça de pestilências a cabeça, cobrindo os olhos de alvoroço e muitas trevas; não é na bigorna que calçamos os estribos, nem é inflamável a fibra com que tecemos as tranças de nossas rédeas, pode responder a que parte vai quem monta, por que é célere, um potro xucro? O mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio, é contra ele que devemos esticar o arame das nossas cercas, e com as farpas de tantas fiadas tecer um crivo estreito, e sobre este crivo emaranhar uma sebe viva, cerrada e pujante, que divida e proteja a luz calma e clara da nossa casa, que cubra e esconda dos nossos olhos as trevas que ardem do outro lado; e nenhum entre nós há de transgredir esta divisa, nenhum entre nós há de estender sobre ela sequer a vista, nenhum entre nós há de cair jamais na fervura desta caldeira insana, onde uma química frívola tenta dssolver e recriar o tempo; não se profana impunemente ao tempo a substância que só ele pode empregar nas transformações, não lança contra ele o desafio quem não receba de volta o golpe implacável do seu castigo; ai de quem brinca com fogo: terá as mãos cheias de cinza; ai daquele que se deixa arrastar pelo calor de tanta chama: terá a insônia como estigma; ai daquele que deita as costas nas achas desta lenha escusa: há de purgar todos os dias; ai daquele que cair e nessa queda se largar: há de arder em carne viva; ai daquele que queima a garganta com tanto grito: será escutado por seus gemidos; ai daquele que se antecipa no processo das mudanças: terá as mãos cheias de sangue; ai daquele, mais lascivo, que tudo quer ver e sentir de um modo intenso: terá as mãos cheias de gesso, ou pó de osso, de um branco frio, ou quem sabe sepulcral, mas sempre a negação de tanta intensidade e tantas cores: acaba por nada ver, de tanto que quer ver; acaba por nada sentir, de tanto que quer sentir; acaba só por expiar, de tanto que quer viver; cuidem-se os apaixonados, afastando dos olhos a poeira ruiva que lhes turva a vista, arrancando dos ouvidos os escaravelhos que provocam turbilhões confusos, expurgando do humor das glândulas o visgo peçonhento e maldito; erguer uma cerca ou guardar simplesmente o corpo, são esses os artifícios que devemos usar para impedir que as trevas de um lado invadam e contaminem a luz do outro, afinal, que força tem o redemoinho que varre o chão e rodopia doidamente e ronda a casa feito fantasma, se não expomos nossos olhos à sua poeira? é através do recolhimento que escapamos ao perigo das paixões, mas ninguém no seu entendimento há de achar que devamos sempre cruzar os braços, pois em terras ociosas é que viceja a erva daninha: ninguém em nossa casa há de cruzar os braços quando existe a terra para lavrar, ninguém em nossa casa há de cruzar os braços quando existe a parede para erguer, ninguém ainda em nossa casa há de cruzar os braços quando existe o irmão para socorrer; caprichoso como uma criança, não se deve contudo retrair-se no trato do tempo, bastando que sejamos humildes e dóceis diante de sua vontade, abstendo-nos de agir quando ele exigir de nós a contemplação, e só agirmos quando ele exigir de nós a ação, que o tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem sossego, a paz aos intranqüilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores;
na doçura da velhice está a sabedoria, e, nesta mesa, na cadeira vazia da outra cabeceira, está o exemplo: é na memória do avô que dormem nossas raízes, no ancião que se alimentava de água e sal para nos prover de um verbo limpo, no ancião cujo asseio mineral do pensamento não se perturbava nunca com as convulsões da naturesa; nenhum entre nós há de apagar da memória a formosa senilidade de seus traços; nenhum entre nós há de apagar da memória sua descarnada discrição ao ruminar o tempo em suas andanças pela casa; nenhum de nós há de apagar da memória suas delicadas botinas de pelica, o ranger das tábuas nos corredores, menos ainda os passos compassados, vagarosos que só se detinham quando o avô, com dois dedos no bolso do colete, puxava suavemente o relógio até a palma, deitando, como quem ergue uma prece, o olhar calmo sobre as horas; cultivada com zelo pelos nossos ancestrais, a paciência há de ser a primeira lei desta casa, a viga austera que faz o suporte das nossas adversidades e o suporte de nossas esperas, por isso é que digo que não há lugar para blasfêmia em nossa casa, nem pelo dia feliz que custa a vir, nem pelo dia funesto que súbito se precipita, nem pelas chuvas que tardam mas sempre vêm, nem pelas secas bravas que incendeiam nossas colheitas; não haverá blasfêmia por ocasião de outros reveses, se as crias não vingam, se a rês definha, se os ovos goram, se os frutos mirram, se a terra lerda, se a semente não germina, se as espigas não embucham, se o cacho tomba, se o milho não grana, se os grãos caruncham, se a lavoura pragueja, se se fazem pecas as plantações, se desabam sobre os campos as nuvens vorazes de gafanotos, se raiva a tempestade devastadora sobre o trabalho da família; e quando acontece um dia de um sopro pestilento, vazando nossos limites tão bem vedados, chegar até as cercanias da moradia, insinuando-se sorrateiramente pelas frestas das nossas portas e janelas, alcançando um membro desprevenido da família, mão alguma em nossa casa há de fechar-se em punho contra o irmão acometido: os olhos de cada um, mais doces do que alguma vez já foram, serão para o irmão exasperado, e a mão benigna de cada um será para este irmão que necessita dela, e o olfato de cada um será para respirar, deste irmão, seu cheiro virulento, e a brandura do coração de cada um, para ungir sua ferida, e os lábios para beijar ternamente seus cabelos transtornados, que o amor na família é a suprema forma de paciência; o pai e a mãe, os pais e os filhos, o irmão e a irmã: na união da família está o acabamento dos nossos princípios; e, circunstancialmente, entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco, plantar bem dos pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo do braço no joelho, e, depois, na altura do queixo, apoiar a cabeça no dorso da mão, e com olhos amenos assistir ao movimento do sol e das chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos assisitir à manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo habilmente emprega em suas transformações, não questionando jamais sobre seus desígnios insondáveis, sinuosos, como não se questionam nos puros planos das planícies as trilhas tortuosas, debaixo dos cascos, traçadas nos pastos pelos rebanhos: que o gado sempre vai ao cocho, sempre vai ao poço; hão de ser esses, no seu fundamento, os modos da família baldrames bem travados, paredes bem amarradas, um teto bem suportado; a paciência é a virtude das virtudes, não é sábio quem se desespera, é insensato quem não se submete." E o pai, à cabeceira fez a pausa de costume, curta, densa, para que medíssemos em silêncio a majestade rústica de sua postura: o peito de madeira debaixo de um algodão grosso e limpo, o pescoço sólido sustentando uma cabeça grave, e as mãos de dorso largo prendendo firmes a quina da mesa como se prendessem a barra de um púlpito; e aproximando depois o bico de luz que deixava um lastro de cobre mais intenso em sua testa, e abrindo com dedos maciços a velha brochura, onde ele, numa caligrafia grande, angulosa, dura, trazia textos compilados, o pai, ao ler, não perdia nunca a solenidade: "Era uma vez um faminto."











(Este mês este será meu único post. Retirado do "Lavoura Arcaica" do gigante Raduan Nassar. Encontrei parte do capítulo "perambulando" pela Internet. Entretanto, penso eu que o capítulo deveria estar inteiro. Se alguém ficar ofendido, o retirarei. Peço desculpas de todo modo.


Grato e até a volta)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

naja narval nautilus





1.

Eu não sei se existem outros nomes, mas aqui chamam de STOP! É simples. Todos os participantes arrancam uma folha de caderno. Desenhe uma tabela com algumas colunas até fechar a página. No cabeçalho, escreva as categorias de cada coluna. Defina-as em acordo com o restante do grupo: Nome, Objeto, CEP (Cidade, Estado, País), Animal, Fruta, Cor, (Marcas de) Carros, etc. Depois, grita-se em uníssono “Dedos!” e revelamos um certo número de dedos aleatoriamente. Contamos com letras: 1 é A, 2 para B, 3 para c, 10 J e assim por diante. Inicial definida, corremos a preencher as colunas em sentido horizontal com palavras de acordo: André, Arca, Antuérpia, Anta... O primeiro a completar a linha grita STOP! Faz-se então a contagem. Aqueles nomes únicos, isto é, que nenhum outro jogador escreveu valem dez pontos. Nomes coincidentes valem cinco.


Uma brincadeira simples de conhecimento do vocabulário. Bom quando chove, quando falta a energia elétrica ou um dos professores. A maior graça, isto aprende-se depois, costuma ser as discussões decorrentes de palavras polêmicas. Uma clássica, por exemplo, envolvia “Gelo”: em qual categoria se encaixaria? Como Objeto? Como Cor? Ou nenhuma das duas? Uma questão de muitas soluções, na qual sempre o mais teimoso, o que falava mais alto... Não era um destes briguentos, mas me lembro particularmente de um quebra-pau envolvendo a palavra Narval.



2.

Os povos nórdicos caçavam narvais para obter o seu chifre espiralado, na realidade, um dente modificado. Mas vamos continuar chamando de chifre, parece mesmo um. Depois de morto, içavam-no com ganchos e correntes da lateral do drakkar até o convés onde o despedaçavam com machados e outras ferramentas apropriadas, o sangue derramava-se tanto que escorria entre as frestas das tábuas numa garoa quente sobre os homens nas galés, enegrecendo cabelos secos de maresia. A carne era um tanto dura, melhor a das focas, vacas marinhas, alcas e dos peixes, mas homens do mar não se afrouxam por sutilezas de paladar. Devoravam a fera crua ou a fatiavam e a estiravam para secar no sal e no sol ou para congelar no frio. Mas o real objetivo estava na lança que se projetava naturalmente de sua cabeça hidrodinâmica. Serravam a ponta do chifre e conservavam este objeto com cuidado para os mercadores de artigos nobres. O restante do marfim era debastado de forma não muito sutil até se conseguir uma nova ponta vendável ou ainda ralado para a obtenção de um afrodisíaco: chifre de unicórnio em pó. Poderiam vender tudo de uma vez, mas isto provocaria dúvidas sobre o real tamanho do unicórnio entre os estudiosos de monstros das latitudes mais baixas.


Dentre as feras do mar, o narval é uma dos menos conhecidas. Ao menos aqui nos trópicos. Usa seu chifre para romper a camada de gelo ou para se orientar pelas correntes magnéticas ou ainda como um radar para captar vibrações infrassônicas emitidas por sua espécie. Há quem sugira combates mortais entre os machos pelas fêmeas, em uma variação da esgrima, ou ainda que imagine tritões montados nos animais que se duelam em justas medievais. Mas, para nós, a maior razão de ser do Narval está em ser uma alternativa à Naja, representando os animais que começam com a letra N no STOP!

3.


Lembro que a disputa estava boa e nós dois estávamos na frente, quase empatados. A página do caderno estava acabando, em breve terminaríamos aquela partida. Para movimentar as coisas um pouco, enchi a mão de dedos para definirmos uma letra mais para o final do alfabeto: N. Preenchi rapidamente, mas sempre preferindo alternativas menos comuns, como Nicolau ou Navalha. Precisava ganhar distância da pontuação de Nara. Mas ela gritou STOP! e rapidamente completei a categoria Animal com Naja, a primeira coisa que me veio à cabeça. Para meu azar, Sampaio, o meu colega sentado ao lado colou tudo que escrevi. Várias das palavras mais simples eram idênticas. Nara balançava os pés para cada Norival e Namíbia de 10 pontos. Eu deveria ter começado a reclamar com o Sampaio, mas não sei o que me deu. Acho que foi a cara de superioridade de Nara, acho que nunca gostei de perder, acho que me deu raiva ter esquecido do Narval. Não fui eu quem começou a duvidar, entretanto, foi a Paula que nem estava no jogo e resolveu se intrometer só para provocar confusão.


-Narval? Narval? Ah, você inventou este, não é Nara?

E ela, não, vocês não conhecem? É uma baleia que vive no gelo, ela tem chifres. Eu conhecia o Narval, na certa ela tinha a mesma coleção em fascículos sobre os bichos do mundo. Mas antes que eu mencionasse, Sampaio começou a rir.


-Baleia de chifres...? Mas como é isto? um peixe de chifre...?

Nara continuou tentando, não é um peixe, é uma baleia, ela dá leite, a coisa foi piorando, pois o Rubão aproveitou para contestar outra palavra, nem me lembro mais, pois eu fiquei com a opção de interromper a questão, de explicar, eu sei que parece doideira, mas o fato é que o Narval existe. Naqueles anos sem google, a opção seria ver no dicionário, mas Nara chamou a professora que acabara de chegar, com a esperança estúpida de um adulto trazer justiça. Mas ela demorou a vir, ocupada que estava e quando chegou demonstrou pouco interesse pela questão.


-Conheço o peixe-espada... Mas este... Nunca ouvi falar.

E eu ali em silêncio deixei que a coisa continuasse, até aproveitei para completar as colunas que faltavam, ninguém queria mais fazer contagem, definir vitoriosos, aproveitavam a virada repentina para espirraçar com a Nara. E ela insistia, sem entender que agora não importava mais o Narval ou o chifre do unicórnio e, de longe, vi Paula rindo com as demais do fundão, e li lábios com a palavra “mentirosa” e a professora mandou todos arrumarem as carteiras, a aula iria começar e deixei-as para trás e quase sem perceber comecei a desenhar pequenas espirais nas margens do meu caderno. Em retrospecto, é difícil dizer se eu já gostava de Nara ou se comecei depois daquele jogo. Mas nunca lhe disse isto nem que eu sabia da realidade do Narval. Achei melhor deixar quieto. Não por minha causa, lógico: quem mandou ela ser gorda?












(Imagem: Capa de CD da banda "japa-girl" Shonen Knife, por Tara McPherson)

sábado, 25 de setembro de 2010

Telegramas






"The nine-to-five is one of the greatest atrocities sprung upon mankind. You give your life away to a function that doesn’t interest you. This situation so repelled me that I was driven to drink, starvation, and mad females, simply as an alternative."

Charles Bukowski—Sunlight Here I Am: Interviews & Encounters 1963-1993

(Via Inner Space & Smoke and Sassafras)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

o íbis e a zebra




A torcida toda pertence aos adversários, suas bandeiras, flâmulas, rojões pipocam em meio a nuvens de confetes e fumaça colorida e nos envolve em meio a vaias, hinos e gritos de guerra. A nossa é envergonhada demais ou não teve condições de chegar ao estádio. Entretanto, se eles estivessem aqui não ouviríamos nada; são mudos, incapazes de articular frases com coerência, quanto mais decorar versos e melodias. Não sabemos rimar. O uniforme do adversário é colorido, moderno, cheio de motivos dinâmicos, o tecido artificial projetado pela NASA. O nosso, puído, velho, encardido com suores de antigas derrotas. Cada camisa é única, bordada pelas nossas mães ou nossas filhas. Somos todos solteiros, não temos ninguém a nos consolar. Craques compõem o time adversário, talvez nem precisem treinar, talvez encarem este jogo como um treino. Não tivemos tempo para treinar, nossos patrões não nos dispensaram, acabamos de nos conhecer, não temos entrosamento. O adversário, apesar de ser um time multirracial, entrosa-se com perfeição. Canhotas, dribles, cabeceios, são acrobatas, não há desperdício de passes. Nossa equipe é homogênea: somos todos muito parecidos, reflexo da miséria, faltam-nos particularidades. Nós nos odiamos, como sempre se odeia o reflexo. A outra equipe está no auge do potencial físico e espiritual. Nós já passamos da hora de parar ou precisamos ainda de muito feijão para começar direito. O Coronel, o Desembargador, o Vice-Presidente e o Bicheiro compõem o Conselho Vitalício do clube adversário. Nós temos o Zé: além de presidente, técnico e massagista, é dono do jegue que apara o mato do nosso campo. A zaga está pendurada com cartões amarelos e não temos reservas, a administração do presídio não liberou os indultos. Não que fizesse grande diferença. O outro time é imbatível, veja as campanhas pregressas laureadas pela perfeição: sem empates, vitórias por pontos ou no tapetão. Superioridade indiscutível sob qualquer clima, altitude, condição de gramado. Nosso último amistoso foi contra um mesclado de atletas paraolímpicos em que perdemos de virada (Nosso gol foi contra). Não temos chuteiras, nossos pés descalços ferem-se sob a ponta afiada da grama que se estende feito um tapete verde de faquir. Os adversários têm todos os motivos para jogar de sapato alto, mas são humildes, puros, simples: respeitam nosso time. E isto apesar dos escândalos que se acumulam em nossa história. Vocês desconhecem nosso passado: não somos notícia, não viramos manchete. Quando batemos pênalti, a bola vai para lateral. Nosso escanteio, dá no meio de campo. Tiro de meta é gol contra. O que esperar de um bando de remendados da última divisão? O pior do pior.



Entramos derrotados em campo. Mas não nos esqueçamos: nem sempre os melhores vencem. Se fosse assim, seria matemática, e não um jogo. As partidas seriam desnecessárias. O esporte só existe para nos lembrar que a justiça é uma ilusão.













(.)

Achados



a)Há algum tempo, escrevi sobre irmãs xipófagas unidas de uma forma não usual. Recentemente descobri que elas não foram as únicas. Neste livro "Contos de Fadas para Adultos" (escrito por "Jean Qui Rit"(João Risonho?) e ilustrado belamente por Artur Scheiner, há uma bela imagem de irmãs que passaram por drama similar.

Procurei rapidamente por informações do livro ou do autor pelo Google, mas não achei nada. Se aparecer alguma boa alma gentil com informações, avise nos comentários. As únicas coisas que temos são algumas imagens escaneadas no FLICKR.



b)Um bom tumbrl de imagens em preto e branco: o Wie Tentakeln. Prepare-se para algumas imagens perturbadoras.

c) Bilal e o Boxe-Xadrez

Trecho de artigo de Claudio Martini no Terra Magazine sobre Enki Bilal:

"
Enki Bilal nasceu em 1951, em Belgrado, Sérvia - a antiga Iugoslávia. Mudou-se com a família para Paris, ainda criança. Após uma passagem rápida pela Escola de Belas Artes, com 14 anos, foi incentivado pelo genial Renné Goscinny (então diretor da Pilote, importante revista francesa de HQ da época) a enveredar pelo caminho das histórias em quadrinhos. Começando com a publicação de ilustrações e histórias curtas na mesma revista alguns anos depois, o desenho de Bilal surpreende já em seu início de carreira. Desenhos em preto e branco, minuciosamente trabalhados, com hachuras criando volumes e sombras, ainda com influência de mestres como Enric Sió e Sergio Toppi, mas buscando seu caminho com muito talento.

Do encontro com o roteirista Pierre Christin, começou a surgir uma série de histórias que mesclavam a política, o realismo fantástico e a ficção científica: La Croisière des Oubliés (O Cruzeiro dos Esquecidos), Le Vaisseau de Pierre (A Nave de Pedra), La Ville Qui n'Existait Pas (A Cidade que Não Existia), Les Phalanges de l'Ordre Noir (As Falanges da Ordem Negra), Partie de Chasse (Partida de Caça). Histórias sombrias, acentuadas pelos desenhos que agora ganham cor, mas continuavam a ser realizados com a mesma técnica de bico-de-pena e nanquim. Os dois últimos são aclamados na França e recebem diversos prêmios.

É com a obra solo La Foire Aux Immortels (1980) que ele consolida sua fama. Este álbum foi o único editado no Brasil, em 1988, pela Martins Fontes, com o título de Os Imortais. Deuses egípcios extraterrestres, naves espaciais pirâmides, governantes fascistas. Talvez uma inspiração para o filme Stargate, de 1994. A política e ficção científica se encontram novamente nessa série de três livros, A Trilogia Nikopol, que seguiria com La Femme Piège (A Mulher Armadilha) e Froid Équateur (Frio Equador). Este último foi escolhido pela prestigiada revista Lire, como o melhor livro do ano em 1993 (entre todos os gêneros). "

A Feira dos Imortais é o mais interessante da Trilogia Nikopol. Quem puder, corra atrás do quadrinho. Esqueça o filme. As histórias com roteiro de Pierre Christin são também muito boas: são histórias políticas e adultas de uma forma rara de se ver em quadrinhos, tanto as mais realistas quanto as mais fantásticas...

Um resultado inesperado das histórias de Bilal foi a criação de um esporte bizarro: o Boxe-Xadrez, conforme vemos neste artigo de Pedro Cirne para o UOL Tablóide.

d)Ainda sobre esporte e quadrinhos, temos um texto do Marcus Ramone (Universo HQ) sobre Futebol e Quadrinhos que encontrei neste blogue.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Escadas


nº 10: Apesar de seus olhos desesperados





Maria debruçada sobre João. João deitado ao pé da escadaria vê os degraus que o levariam à saída. Assim, sob esta perspectiva, desaparece rumo ao teto de concreto da estação. João se lembra da lua-de-mel em Cancún: de uma pirâmide pré-colombiana, onde os sacerdotes arrancavam corações e os arremessavam pulsantes escadaria abaixo. Sente algo grudento a molhar suas costas; percebe que é sangue quando encara Maria, Maria e seus olhos desesperados.

Já havia algo parecido com desespero em seus olhos enquanto ela descia a escada rolante. João subia os degraus da escadaria fixa, paralela a esta e escutou um gemido abafado que se aproximava. Ele estacou e passou a observar aquela menina de cabeleira vermelha. Maria aparentava vergonha de braços cruzados e uma mão ocultando a boca. Algo parecido com maquiagem borrava seu rosto e não escondia sinais do choro.

João é casado. Um cara sossegado, tanto faz se for por preguiça ou por amar Joana: não pula a cerca, nem tem uma tara especial por adolescentes. Mas por estar já um tanto alto pelos uísques e cervejas da festa no escritório, por ela ter escondido o rosto, por ela ter grandes e lacrimosos olhos azuis. João afrouxou a gravata e ficou parado ali no meio da escada, observando-a.

Maria estava encardida, mas tinha um estilo moderno, não sei se diria gótica, talvez classe média: uma calça preta justa sobre pernas magras, uma malha de listras grossas como faixa de pedestres, os cabelos lisos cobrindo a mochila de urso de pelúcia, mas em um conjunto meio desarranjado, imundo e amassado como um vira-lata. João pressupôs uma história triste, fuga de casa, pai violento, mãe repressora, um primeiro amor que terminou mal, como sempre terminam mal os primeiros amores. Lembrar de seu primeiro amor fez João continuar a subir a escada. Esqueceu-se da menina, mais preocupado em comprar dropes para disfarçar o bafo de álcool.

Entretanto, não havia primeiro amor na história de Maria. Devia ser meio-dia quando os caçadores invadiram sua casa. A mãe a sacudiu com força para acordá-la, dedo no lábio em gesto de silêncio e num sussurro ordenou que se escondesse na caixa d´água. “Vamos dar um jeito nestes homens maus”, assegurou seu pai. Maria assentiu silenciosamente, abraçou os dois e inspirou fundo querendo guardar o cheiro. Eles a ajudaram a subir pelo alçapão do forro. Ela caminhou com cuidado, desviando da luz que vazava entre as telhas, enquanto escutava os tiros e gritos. Arrastou o tampo e mergulhou naquele espelho frio e escuro da água.

Ficou ali, orando aquilo que lhe era possível orar, esperando. Maria empurrou o tampo e saiu de seu esconderijo. Os raios de sol se inclinaram e mudaram de lugar, passara-se uma hora ou mais. Ela se moveu silenciosamente para não alertar os caçadores. Contudo, um cheiro de fumaça e um brilho alaranjado se infiltrava pelas frinchas do forro: os homens atearam fogo à casa e esperavam do lado de fora, em um último ato antes do anoitecer. Ela abriu o alçapão e um sopro quente de fumaça atingiu seu corpo.

As chamas se espalhavam rapidamente. Maria pegou uma coberta velha e imunda esquecida ali e a encharcou na caixa d´água. Saltou no buraco do alçapão, esperando talvez uma morte breve sob as chamas, disparos de estacas ou pulverizada por água benta. Contrariando o esperado, já passava da meia-noite e ela sobrevivera, ferida, desamparada, mas ainda vivia. Ou algo parecido com isto. Pretendia se refugiar nos túneis do metrô até a noite seguinte, mas a fome a perturbava e seus olhos eram desejo e desespero e ela também viu João, João subindo as escadas em um balançar bêbado. Ela tenta se controlar, consegue se conter até o final da escada, mas como uma criança mal-comportada diante da mesa de doces, ela volta correndo, sobe os degraus de cinco em cinco e ataca João pelas costas. Ambos caem violentamente e antes que ele possa entender o que está acontecendo, já está deitado aos pés da escadaria, Maria debruçada sobre João, a boca e as presas imersas em sangue, e João murmura ao encarar o rosto dela.

-Eu sabia, eu sabia que era bonita.


Fonte imagem: esqueci. Foi de um tumbrl, acho que este.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Telegramas






Hurt
(Trent Reznor)


I hurt myself today
to see if I still feel
I focus on the pain
the only thing that's real
the needle tears a hole
the old familiar sting
try to kill it all away
but I remember everything

what have I become?
my sweetest friend
everyone I know
goes away in the end
you could have it all
my empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear my crown of thorns
on my liar's chair
full of broken thoughts
I cannot repair
beneath the stain of time
the feeling disappears
you are someone else
I am still right here

what have I become?
my sweetest friend
everyone I know
goes away in the end
you could have it all
my empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

if I could start again
a million miles away
I would keep myself
I would find a way



(Se possível, leia A Árvore Generosa, de Shel Silverstein. De preferência no livro, não nas porcarias que andei esbarrando pela Internet. Imagem ? Haw-Lin)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

plenitude





1

Naquela manhã, entretanto, viram surgir logo antes da arrebentação a silhueta do homem e de sua montaria. As ondas os varriam para o raso. As pessoas na praia estancaram, interrompendo a coleta de conchas mortas. Logo se constatou ser um cavaleiro medieval.

Aproximaram-se daqueles dois com curiosidade de mulher que cerca o jangadeiro que retorna do mar. Ao nascer do sol, é costume dos nativos caminhar à beira-mar com pequenos baldes plásticos e cajados com os quais futucam a tralha trazida na maré: tábuas podres cobertas de craca; latas, copos descartáveis e guimbas; tocos de remos e pedaços rasgados de redes; estrelas, peixes e pinguins mortos; às vezes, um pequeno kraken preto, semidevorado por gaivotas e sereias.

A montaria estava exaurida, rodara mais de um mundo para chegar àquele litoral: vomitava água como se alguém torcesse suas tripas encharcadas. Testemunhas presenciaram algas e camarões trançados na crina e nos cabelos do rabo. Mesmo assim, indiferente à exaustão do animal, o cavaleiro somente apeou sobre a areia, no limite final do alcance das ondas, onde ficam os furos das tocas dos tatuíras. Cada movimento do cavaleiro derramava água das articulações da armadura. Quando este ergueu a viseira do elmo, um pequeno siri escapuliu do esconderijo. O homem voltou seu rosto para o mar, inspirou fundo e feliz os raios daquele sol. As demais pessoas ao redor sorriram, calcularam que fazia muito tempo que ficara submerso, talvez tivesse se esquecido do dia.

Rompendo a passividade dos nativos, um senhor já de alguma idade adiantou-se e, com o cajado, tocou naquele estranho. O cavaleiro desembainhou a espada e fez o aço da lâmina roçar na papada do pescoço do velho. A roda dos curiosos revoou, uns correram, outros deixaram os baldes e as conchas na areia. O velho respondeu à única questão feita pelo cavaleiro.

- Sim, aqui é Cocanha.


2

Feito um escafandrista, o cavaleiro caminhou pesadamente sobre a areia fofa, arrastando atrás de si a montaria. O esforço era grande, aconselhava o descanso. Mas resistiu para rumar ao interior daquela terra, onde avenidas de asfalto serviam de fosso para as torres de alturas diferentes que compunham a muralha irregular daquela cidadela.


O animal resfolegou até alcançar o calçadão. Os cascos estalaram no mosaico de pedras recortadas. O cavaleiro maravilhou-se com o chiado do vento nas palmas das palmeiras, a disposição de janelas como em um tabuleiro deixado de lado, a oferta de javali assado e água de coco nos quiosques,a peculiar autolocomoção das carruagens. Observou que diversas pessoas estavam nuas, em aparente desvergonha. Todavia, a maioria delas corria, acreditou que haveria algum perigo em curso, que fazia com que fugissem daquele jeito.


Apesar do escudo, peitoral, cota de malha, gorjal, sobrepeliz, camal, bacinete, o cavaleiro parecia ser mais leve que os usuais frequentadores da praia, com dobras de gordura a transbordar sobre sungas, bermudas, cangas e biquínis. Seu aspecto atraía a atenção dos demais nativos na rua. Outros se ajuntaram à romaria curiosa. Inicialmente acompanhavam os estrangeiros (homem e animal) e depois bloquearam-lhes o caminho. Crianças puxavam-lhe os restos puídos do mantelete, mulheres apontavam rindo a espada embainhada, os homens gargalhavam e se empurravam na tentativa de tocá-lo, e, neste momento, o cavaleiro baixou sua viseira.

A turba continuou a apontar-lhe os celulares, gravando suas imagens como balestras apontadas. Nem mesmo depois da espada ter cortado um ou dois, os nativos ignoravam aqueles caídos e insistiam em um frenesi de hienas cercando moribundo. Só depois de montar no cavalo e abrir caminho entre a multidão e cruzar a avenida rumo às vielas da cidadela, perceberam os corpos flácidos e nus em poças de sangue e tecido adiposo.

3

Pediu orientação a um sujeito que lhe apontou o leste. Em seu país, normalmente a igreja ou o castelo seria o lugar mais alto de toda a cidade. Naquela ilha, entretanto, as torres eram tão altas que impediam que se enxergasse muito longe. Os próprios pássaros precisaram aprender a se orientar pelos becos e ruas, pois eles também estavam confinados pelas paredes daqueles prédios. As carruagens grasnavam para os estrangeiros, contínua e violentamente, enervando o cavalo.

Encontrou uma praça aberta como uma clareira queimada naquele jardim de pedra, e no meio da praça, entre as sombras das révoas dos pombos e oculta entre alamedas de mangueiras, havia uma catedral de pedras brancas decorada com pequenas cagadas que derretiam das paredes, pequena e inapropriada para aquela terra de maravilhas.


O cavaleiro notou uma cerca de lanças ao redor da Igreja, um tanto frágil para servir como defesa. Amarrou seu animal ali, indiferente à curiosidade de pipoqueiros, vendedores de terços e medalhinhas. Adentrou na nave e deu de cara com o quadro de avisos e uma cortiça espetada com cartões de apresentação. Não havia celebração no momento, um grupo de senhoras orava em voz alta em um dos braços da catedral. Ajoelhou-se perante o altar e agradeceu.

Um padre se aproximou daquela estranha figura fétida; com tapinhas em suas ombreiras, interrompeu a prece. Perguntou se tinha autorização do bispo para fazer filmagens ali dentro e solicitou seus documentos. O cavaleiro respondeu à maneira de sua terra. Quis saber de Cocanha, dos alimentos voadores, dos rios de vinho e mel, das mulheres virgens a verter leite, do trabalho que não existia, de onde estava a alegria naquela terra de prazeres, de onde vinha o sentido. O padre, se entendeu, ignorou suas palavras, estava muito nervoso, afirmava que não se podia fazer dinheiro em nome da Santa Igreja, que o templo era um lugar de adoração e não de heresias. Fez aquele homem se erguer, sem disfarçar sua repugnância pela exalação de peixe morto do viajante. O empurrou em direção à saída, sob os olhares dos pedintes na escadaria.

O cavaleiro percebeu que a cerca não estava lá para os inimigos da cidadela mas para os fiéis.

4

Veio a noite, o cavaleiro acendeu uma fogueira sob os arcos de um viaduto. Dividiu sua ceia com a montaria; restos de hambúrguer e pizzas mofadas em um saco preto de lixo. Chovia e as águas desciam da pista sobre sua cabeça em uma torrente, fazendo nascer uma cascata. Logo se reuniram outros, e o homem sentiu-se mais à vontade entre aqueles humildes do que entre os nativos da praia. Eram mais magros que aqueles da manhã e pareciam tão famintos quanto aqueles vilões de sua terra natal. Eram quase todos velhos bêbados, como zumbis ou crianças ligeiras, como duendes. Acendiam seus cachimbos e dormitavam sonhos quentes de olhos entreabertos. Sabia-se que em Cocanha havia uma nascente que faria os anciões recobrarem a juventude. Ali, no meio dos pivetes e dos bebuns, pensou se a corredeira daquela sarjeta iluminada pelos faróis dos carros seria a origem daquela história.

Aquela era mesmo Cocanha, a terra da fartura. Aquela matilha faminta viciada sifilítica era mais sadia e robusta que a canalha de sua casa. Dormiam rodeados pelo ouro, que de tanto brilhar irrompia pelas janelas dos apartamentos. Sim, estamos em Cocanha. Estamos no paraíso. Mas não existe plenitude.











(Cocanha. Publicado pel´O Bule. Grato Rodrigo. Foto Via Mystic Lady)

sábado, 11 de setembro de 2010

Achados


(Anúncio de companhia aérea de 1979 - via "If Charlie Parker...")


1)

No ano passado, o blog português "Leituras de Pedro" publicou uma série de resenhas de quadrinhos sobre o onze de setembro. Senti só a ausência de "À Sombra das Torres Ausentes", de Art Spiegelman que saiu aqui no Brasl pela Cia das Letras, que relacionava os quadrinhos do começo do século passado com os eventos do começo do nosso. Algumas páginas dos quadrinhos originais foram reproduzidas no álbum; penso eu que, aqui no Brasil, Little Nemo e outras "velharias"nunca foram tão bem impressas aqui.


2)Os Cronolitos

(via Mundo Fantasmo)

Trecho:
"The Chronoliths foi publicado em 2001, meses antes do ataque ao World Trade Center, criando um sutil paradoxo entre ficção e vida: o aparecimento de monumentos fantásticos e a destruição de monumentos reais. A aparente megalomania da imaginação de Wilson é bruscamente reduzida pela megalomania real dos atentados. O invisível e onipresente Kuin do romance acaba sendo refletido no onipresente e invisível Osama Bin Laden do mundo pós-2001; a ameaça chinesa se transforma em ameaça islâmica. Poucas vezes um romance de FC estabeleceu essa relação de simetria e sincronicidade com fatos do mundo real na época do seu lançamento. "

3)O Desconforto da Crítica, por Daniel Piza

Trecho:
"Blogs e comunidades virtuais em geral são outro sintoma desse mal-estar da crítica. Quando alguém argumenta contra determinadas decisões políticas ou esportivas, ou aponta o que julga serem defeitos num filme ou livro, as reações raramente vêm na forma de argumentos. São insultos e falácias, ou então a crença de que basta apontar um suposto lapso para demolir o raciocínio inteiro. O que está por trás não é o incômodo com aquela opinião (e toda análise contém opinião), mas com a própria existência de uma opinião que não seja a sua. É por isso que tantas das réplicas querem mesmo é que o autor perca seu emprego, de preferência dando lugar ao próprio replicante… O mau leitor é justamente o que acha que o autor serve para dizer apenas o que ele queria dizer.

Sim, os maus críticos fazem mal à crítica também. Muitos autores não conseguem fazer crítica sem cair no ataque pessoal, sem destilar preconceitos, sem desmerecer totalmente o trabalho alheio, sem apontar o dedo para erros banais. Muitas das críticas ao governo Lula caíram no vazio porque sua ênfase era nos adjetivos ao presidente, assim como muitas críticas a jogadores famosos queimaram a língua porque criticavam suas baladas em vez de suas boladas. E pense em quantos artigos com boas causas, como a crítica à arte contemporânea, por exemplo, não estragaram essas causas ao dizer que Picasso não foi um grande pintor (sic!) ou que as instalações nem sequer são “uma linguagem” (mas não são um arranjo de signos?), desprezando qualquer hipótese de seriedade na arte atual. "


4)Shivabel

Ótimo canal de vídeos do You Tube com imagens e informações de Arte, "Vídeo" Quadrinhos, etc mantido certamente por um italiano ou quase-isto.

Vale muito uma espiada. Tem desde "The Long Tomorrow" (Moebius) até Serafini. Olhem estas imagens super-bacanas das 1001 noites feitas por Olga Dugina ou estas cabeças de Thomas Woodroof.


5)Crash, de J.G.Ballard em um curta da BBC de 1971

(Via Coisas do Arco da Velha)


6)Saiu (faz algumas semanas) o Farrazine 17

Justiça 40º/ Long Play/ O nascimento da Era de Prata/ Quadrinhos Gonzo/ etc

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Telegrama

When tomorrow hits



Laying out on some
Heavy act
Losing your way
Getting way off track
Ain't no stopping
Time from coming
When tomorrow hits
When tomorrow hits
When tomorrow hits

What's easy for you
Comes so hard
What you got
Never got me far
There's no stopping
The end from coming
When tomorrow hits
When tomorrow hits
When tomorrow hits

When tomorrow hits
It'll hit you hard
When tomorrow hits
It'll hit you hard
When tomorrow hits
It'll hit you hard

(Spacemen3; via Ms Muddle)

domingo, 5 de setembro de 2010

Achados



a)Música, Poesia e Ficção Científica
-Eu posto frequentemente no blogue do Projeto Portal e ando postando lá letras de músicas e poesias com temas de Ficção Científica. Quem quiser espiar, clique AQUI e ALI. Quem tiver sugestões (se alguém estiver vendo), me dê um toque: vale qualquer estilo.


b)Blog legal
-Gosto muito do SuperPunch! Super estiloso e super postado. Difícil acompanhar.

c)Artista legal
-Tara McPherson


d)Texto legal
-Pets literários: em inglês, no "Journey round my skull"

"Literary Pets by Gilbert Alter-Gilbert

The animal figure is a universal ingredient in literature from Aesop to Orwell. Perennially and ubiquitously, from the humblest children's storybook to the most ambitious epic, beings with paws and claws, beaks and fangs, horns and hooves, fins and flippers, have been put at the service of metaphor or moral instruction. Fables and fairy tales abound with familiar and endearing creatures; the brute beast, although bereft of the faculty of speech, may be eloquent on the printed page. Whether presented realistically or symbolically, members of the animal clan have reflected and, in some cases, indicted the behavior of their human stewards in ways that make representatives of the two-legged species look at least as curious as any of their "lower" planetary co-inhabitants, and often more contemptible.

From sable cats to albino cetaceans, famous titular animals span the chromatic spectrum: White Fang; The Green Mare; The Bluebird; The Red Pony. Literary animals of ill omen include Poe's redoubtable raven and Coleridge's ineluctable albatross; other fine feathered friends have exerted a comparable fascination: the fixation of the classical Persian poets on the nightingale, Shelley's skylark, Hardy's thrush.

Even amoebae and their unicellular relatives have found focus in certain literary productions: the tubercular germ in Eduardo Wilde's consumption story "The Rain"; the viral infection, tentative, if implied, in Ezequiel Martinez Estrada's "The Cough"; the microbial organisms which prove the downfall of the extraterrestrial invaders in H. G. Wells' War of the Worlds; from primitive protozoa to prehistoric monsters, to the mythic creatures populating the bestiaries of old, animals have been a constant of literary culture."

Leia tudo (e com fotos BEM interessantes) AQUI

e)Imagem legal
-Imagem: "Belling the Slayer" Jeffrey Jones

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Telegrama

Il Bestiario de Andrea Pazienza (1956-1988)



Um tributo-bestiário ao quadrinista italiano Andrea Pazienza. Aqui no Brasil foi publicado pela revista Animal (Feio, Forte e Formal). Morreu de overdose de heroína, se não me engano. Sua última história - inacabada - foi publicada aqui na revista brasileira e contava a história de um cão-de-guerra do Exército de Aníbal. Não era um trabalho típico, mas ficou muito bom.

Achei no YouTube.

Escadas



nº05: amazonas






A porta do metrô abriu, e, lentamente, João saiu do vagão. As pessoas corriam para entrar no trem, apressadas. João tossiu. Arrumou os óculos sobre o nariz e procurou as flechas de saída, uma vez que não havia fluxo de pessoas para se orientar. Alguns pareciam gritar para ele, mas João ouvia mal, coisas da idade. Entretanto, ele poderia ter notado o cheiro de algo queimando. Caminhou com vagar para a escada, o sapato chiando sobre o piso da plataforma. O trem partiu, a composição passando cada vez mais rápida a seu lado, o mundo corre e os velhos ficam para trás. Lá em cima, as Amazonas invadiam a estação. Os rinchos e cascos estalavam na calçada. Um policial tentara reagir e agora ele era arrastado no asfalto por uma guerreira a cavalo. A carcaça de um ônibus fumegava, elas jogavam roupas livros revistas dvds piratas para alimentar aquela chama. Apearam de seus corcéis, espadas em punho, escudos erguidos. Buscavam aqueles que tentaram fugir por ali. Disparavam setas e arremessaram lanças contra passageiros e funcionários. Alguém que filmava os eventos com um celular teve a mão decepada. Um grupo rodeava a bilheteria à prova de balas. Os funcionários se escondiam ali dentro, chamavam por ajuda. Golpes de maças contra o vidro desenhavam estranhos girassóis. Finalmente trouxeram o candeeiro para os archotes e as flechas. Queimariam eles ali, em meio ao dinheiro, às moedas, aos bilhetes de metrô. As pessoas se deitavam e se encolhiam, as Amazonas puxavam estes pelos cabelos, roupas, mochilas. Deixavam estes degolados, os gritos afogados na mancha lenta densa de sangue pelo chão. Outros corriam, mas as setas varavam a carne interrompendo a fuga. Uma mulher da limpeza reagiu com vassouradas e até acertou uma antes de ser talhada pelos sabres. Alguns eram poupados, acorrentados, empurrados para a rua onde ocorriam outros massacres. E João subia as escadas com dificuldade. Nem viu o cadáver que descia sobre a escada rolante, a flecha certeira nas costas. Maria, a assassina, caminhava lentamente em meio aos gritos: queria se certificar que aquele estava morto. O corpo chegara ao fim do percurso e era sacudido pelas ondas dos degraus da máquina como se fosse um afogado. Arco ainda na mão, retirou outra flecha da aljava e desceu a escada rolante para recuperar a seta sangrenta. Ignorou as instruções de segurança aconselhando a sempre segurar o corrimão. Maria percebeu o velho subindo as escadas. Se antes ele estava alheio a tudo, agora notou aquela seminua, um dos pequenos seios mutilados. Ela retesou o arco que cedeu com um rangido reclamação de corda e madeira. Quando os dedos afrouxaram e a seta saltou com um silvo no ar, Maria o reconheceu, talvez tarde demais:


-Vô..?






(Horse Spirit by Marcelina Martin. Via Vasuki e Smoke & Sassafras)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Telegrama

Sabedoria

WISDOM Trailer from Andrew Zuckerman Studio on Vimeo.









"Você não para de fazer as coisas porque fica velho; Você fica velho porque para de fazer as coisas"
Rosamonde Pilcher

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Achados





a)Lançamento do romance "A Tríade" durante Fantasticon

Sábado, dia 28/08, às 18h, na Biblioteca Viriato Corrêa - Rua Sena Madureira, 298 - SP. Próximo à estação Vila Mariana do metrô, haverá o lançamento do romance "A Tríade", escrito pelo quarteto de cordas: Carlos Andrade, Claudio Brites, Kizzy Ysatis e Octavio Cariello.


b)Michael Kepp e a Cultura do "QI"

As crônicas do norte-americano "abrasileirado" Michael Kepp são sempre interessantes. Precisamos do outro para nos enxergar direito.

"Aqui, empregados emendam feriados e patrões fingem não notar, tudo na base do "uma mão lava a outra". Leia texto integral AQUI.

c)BOOOOOM!

Uma baleia voadora feita com sacos de lixo. Arte postal. Amano. Andrew Hem. Imagem do post é de Angie Wang. Tudo isto via BOOOOOOOOOM!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Telegrama

Más notícias.



Via Coisas do Arco da Velha

Escadas



nº07: negativo




João não pegou o metrô naquele dia. Não sentou no assento preferencial, destinado aos inválidos. Não perscrutou discretamente os demais passageiros. Não ouviu o condutor da composição anunciar sua estação. Não seria sua estação, porque não estava lá. Não desceu, não cruzou a linha amarela de segurança na plataforma ou as trilhas em relevo para as bengalas dos cegos. Não acompanhou a multidão no caminho para a saída. Não foi mais um, embora sempre tenha sido. Não subiu passo a passo os degraus da escadaria fixa. Não viu Maria do outro lado. Maria também não estava lá, então não haveria Maria para ver. Ela não desceu as escadas rolantes. Maria não viu João do outro lado. Nem esperou o trem chegar, nem ouviu seu sopro rugir no túnel, nem o freio rinchar nos ouvidos. O trem que não levou Maria sumiu na escuridão no caminho para as demais estações.

João e Maria que não pegaram o metrô naquele dia. Nunca esperariam encontrar seu amor no metrô. João e Maria que não estavam sozinhos, estavam um com o outro, em um não-lugar todo deles.












(Fonte imagem: R. Demachy, portrait de femme retouchée,
négatif sur verre au gélatino-bromure d’argent - 1905
)

domingo, 15 de agosto de 2010

Telegramas



Um tributo a Lorenzo Mattotti. Via Comicsando

Achados




a)
Paixão segundo G.H... no Mangá?

Uma postagem em inglês do "Tokio Scum Brigade" (Blog em inglês que explora o trash japonês) fala de um mangá chamado "Baptism" no qual uma aluna força a esposa de seu professor a comer um apetitoso "mingau" de baratas. E então descobrimos que existe uma série de aulas (em japonês) para quem se dispuser a preparar receitas com baratas.

Há uma outra postagem diferente, mas bastante deliciosa AQUI, mais fácil de acompanhar por serem fotos apenas e estarem em inglês.

b)
Cenas de "The Golden Voyage of Sindbad": Centauro versus Grifo. E viva Ray Harryhausen neste vídeo (E dá-lhe Tito Puente!)!

c)IV Simpósio de Literatura Fantástica

http://fantasticon.com.br/?p=35

Dias 27, 28 e 29 de agosto na Biblioteca Viriato Correa, Av Sena Madureira, 298 - Vila Mariana - São Paulo - SP

* * *

"A idéia do Fantasticon é reunir pessoas interessadas em Literatura Fantástica (ficção científica, fantasia e horror) para
que elas possam se encontrar, debater idéias, trocar informações, levantar tendências e se divertir.

A proposta é incentivar e enriquecer o estudo e o debate sobre o Fantástico no Brasil. Para isso, contaremos com
palestras, mesas-redondas, oficinas, mostra de filmes, exposições, lançamentos, sessões de autógrafos e muita
confraternização!

O Fantasticon é organizado por Silvio Alexandre, em uma realização da Biblioteca Viriato Corrêa, do Sistema Municipal de Bibliotecas e da Secretaria Municipal de Cultura. Com o apoio da Fly Cow Produções Culturais, da TV Cronópios e da Revista MOVIE."

Programação do Evento:
http://fantasticon.com.br/?page_id=381

"Sábado dia 28 de agosto 15h às 16h

Celebração: “Projeto Portal”

O Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira, é uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral. Cada número da revista homenageia, no título, uma obra célebre do gênero: já foram lançados o Portal Solaris, o Portal Neuromancer, o Portal Stalker e o Portal Fundação.

O Projeto Portal realizará uma celebração para lançar o Portal 2001, com a presença dos autores, que conversarão com o público e sortearão exemplares da revista.

Portal 2001, o quinto número do Projeto, traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia. São 31 narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dezesseis autores contemporâneos.

Os contistas são: Braulio Tavares, Brontops Baruq, Claudio Parreira, Daniel Fresnot, Delfin, Luiz Bras, Marcelo Bighetti, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Mayrant Gallo, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Roberto de Sousa Causo, Rodrigo Novaes de Almeida, Rogers Silva e Sid Castro."


Imagem via Popholic

domingo, 8 de agosto de 2010

Telegrama


Alguém me avisou
(Composição Dona Ivone Lara)



Foram me chamar
Eu estou aqui, o que é que há?
Eu estou aqui, o que é que há?
Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho
Mas eu vim de lá pequenininho
Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho
Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho

Sempre fui obediente
Mas não pude resistir
Foi numa roda de samba
Que juntei-me aos bambas
Pra me distrair
Quando eu voltar na Bahia
Terei muito que contar
Ó padrinho não se zangue
Que eu nasci no samba
E não posso parar
Foram me chamar
Eu estou aqui, o que é que há?







(Gil, Caetano e Bethânia. A gente chamava "PAAAAI" e lá vinha ele cantarolando esta música.)

au revoir, mon amur





O micro já estava desligado e precisou conferir a hora no celular. Só então se deu conta que a bateria se esgotara. Apropriado até: a bateria de Marco também estava nas últimas. Precisava dormir. Espiou entre as persianas e leu a hora na torre do outro lado da Avenida. Mais de onze.

Jogou a caixa da pizza no lixo, os caroços de azeitona correram em seu interior. Apagou a luz, trancou a sala e depois a porta de vidro. Chamou o elevador, a chave do carro na mão. Demorava. Só falta esta merda estar quebrada. Sentiu então um cheiro estranho, antigo, remetia a terra e a zoológico. A campainha indicou qual das portas iriam abrir. Marco se posicionou diante e, ao abrir, espantou-se com o fato da cabine estar cheia num horário ingrato como aquele.


Eram três caçadores de faces asiáticas. Em dois deles, longos e finos bigodes desciam pelos cantos dos lábios dos lábios, evocando pequenos cabides pendurados nas narinas. O último era um adolescente de aspecto feroz. Vestiam peles escuras e grossas e traziam várias zibelinas mortas penduradas em varas. Marco disse boa noite e eles (menos o adolescente) devem ter respondido o mesmo em seu idioma, espremendo-se no fundo do elevador.

Marco deu as costas para os três, os números das planilhas ainda dançavam em sua cabeça, sentia que estava esquecendo de algo, mas que se dane, já era tarde demais. Se faltasse algo, amanhã ele veria. Tentou conter o odor de carniça beliscando sutilmente as narinas como se as coçasse ou estivesse resfriado. Depois do silêncio inicial, os dois mais velhos retomaram o diálogo anteriormente interrompido. Um fez um gesto a demonstrar como era pesada sua vara. O outro pesou com a mão algumas das zibelinas do primeiro e ponderou algo que fez ambos rirem. O adolescente calado não esboçou um esgar. Fungou profundamente, chamando catarro e cuspiu no mármore do elevador.

O andar dos três caçadores chegou antes: pediram passagem e Marco deu espaço para eles saírem, um de seus sapatos afundou e ele sentiu o suor nas meias se condensar rapidamente. Eles desceram numa paisagem nevada de árvores desfolhadas como foguetes abandonados em suas plataformas de lançamento. Estava dia.

Marco desceu no S3. Passou pela cadeira vazia do segurança. Desta vez não foi difícil encontrar o carro, era o último estacionado, junto a uma pilastra. Caminhava rapidamente, destravou o alarme a distância e o veículo buzinou e piscou em resposta. Todavia, Marco não o alcançou. Um leopardo-de-amur saltou sobre suas costas, o molho de chaves tilintou no chão, ele não chegou a entender o que estava acontecendo, sentiu apenas o peso do animal, as garras atravessando o paletó, a prensa das presas em seu pescoço. Mas chegou a escutar o sistema automático de seu carro travar novamente o alarme do carro.







(Minha pesquisa sobre Amur foi zero, portanto não levem a sério demais. O Leopardo de Amur é um dos animais mais ameaçados de extinção no planeta. A imagem é do Endangered Species Print Project. )

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Telegrama



valeu


(Paulo Leminski)




dois namorados olhando o céu
chegam à mesma conclusão
mesmo que a Terra não passe da próxima guerra
mesmo assim, valeu

valeu encharcar esse planeta de suor
valeu esquecer as coisas que eu sei de cor
valeu encarar essa vida que podia ser melhor

valeu


valeu







(Imagem via Super Punch: Peace(1985), de Steff Geissbuhler)

Achados



a)Zdzisław Beksiński

(1929-2005): um artista polonês fabuloso. Vá a seu site ou procure no google outras obras dele. Dão medo. Suas obras "emolduram" a música-tema de "O Bebê de Rosemary", composta por Krzysztof Komeda neste "clipe" do YouTube..

b)Pray for "Rosemary´s Baby"

Um trailer assustador de "O Bebê de Rosemary"... na época em que os trailers não entregavam o filme.

Como "Poltergheist", corre a lenda a respeito do filme "O Bebê de Rosemary" ser um filme maldito.

Primeiro: meses após o filme ser lançado, a modelo Sharon Tate, esposa grávida do diretor Roman Polansky é assassinada por seguidores de Charlie Manson em uma mansão (que já tinha fama de ser mal-assombrada). Já li algo a respeito que Sharon Tate teria tido pesadelos premonitórios de sua própria morte.

Segundo: Komeda, amigo e parceiro de Polanski sofre um acidente e morre por danos cerebrais.

Terceiro: o edifício Dakota, onde o filme foi rodado, foi onde se desenrolou o assassinato de John Lennon.

Tema de Komeda reinterpretado por Fantomas, a banda capitaneada pelo velho general Mike Patton

c)Gárgulas

Um passeio (em inglês) pelas Gárgulas na Europa. A palavra "gárgula" ainda hoje pode ser usada como escoadouro d´água de chuva sobre os telhados: no cotidiano, pelo menos, aqui usamos a palavra "calha". A Gárgula decorava com "motivos monstruosos" estas saídas de água. O texto é basicamente, extraído do Wikipedia... Mas, há as fotos e a penúltima delas vale uma olhadela.

d)Iniciando na vida literária.

No blog da jornalista Raquel Cozer encontramos sua matéria que saiu no Estado de São Paulo sobre uma pesquisa informal entre escritores e suas dificuldades para publicar seu primeiro romance por uma editora de "primeira linha", vamos dizer assim.

também estão os links para uma pesquisa similar (de onde ela tirou a ideia para a matéria) realizadas nos EUA pelo escritor Jim C. Hines (de Orcs) entre os escritores que conhecia.

(Via Meia Palavra)